Resumo
O presente trabalho visa analisar a correspondência trocada entre o filósofo Vilém Flusser e o engenheiro
Milton Vargas, entre as décadas de 1960 e 1980 em cotejo com excertos da produção textual produzida
àquela época por ambos, para retratar um exemplo prático da intersubjetividade flusseriana, residente
na comunicação dialógica entre indivíduos de pensamento dissonante e seus eventuais pontos de
contaminação, de intersecção.
Vivenciamos na atualidadeum dos períodos de maior polarizaçãopolítica no Brasil, de cujos tentáculos
nãofoge sequer a trágica pandemiaque vimos atravessando. Num pólo, uma massaditaconservadora
nega a ciência. De outro lado, uma outra massaditaprogressistasegue na defesa dos avanços da
pesquisa científica como único antídoto para que, uma vez no chão, tomemos impulso e retornemos à
luz. Impulsionado pela velocidade de propagação das notícias pela grande rede, cada grupo empunha a
sua bandeira e brada aquilo que acredita ao vento–não dialoga-se mais, ao contrário: vivemos a era em
que a intolerância dá a cadência dos relacionamentos sociaisà distânciae, em meio a “fake-
news”,‘cancelamentos’equetais,entreum‘unfollow’,um‘desfazeraamizade’eoutro,vamos
esgarçandolaçoscomfamiliareseamigosquepensamdiferentemente,fechando-nosem
guetosconfortáveis–porém nefastos–do pensamentosemelhante.
Nessa esteira de acontecimentoscontemporâneos, o que nos ensinama amizade e a profícua troca
decartastidaentre o filósofo Vilém Flusser e o engenheiro Milton Vargas, no período compreendido
entre 1969 e 1982? Buscamos responder a esta indagação com algumas proposições a partir do recorte
dessa correspondência, reproduzido nesse trabalho.
Se na atualidade assistimos à perigosa tentativa de aniquilação do pensamento opositor ao nosso, em
Flusser e Vargas nos deparamos com o genuíno interesseem dialogar com o opositor como meio de
potencializaradiversidadedoprópriopensamento.Oobjetivodopresenterelatonãoéo
aprofundamento nos conceitos fundantes da filosofia flusseriana,tampouco adentrar em detalhes da
produção textual do pensamentode Milton Vargasacerca dafilosofia da tecnologia, mas utilizar
excertos da correspondência travada entre ambos, disponível para pesquisa no Arquivo Flusser emSão
Paulo2, paraanalisá-los em cotejo com trechos das obras: i)“Bodenlos”-o “Atestado de falta de
fundamento”, especificamente o capítulo escrito por Flusser sobre Vargas; eii)“Para umaFilosofia da
Tecnologia, escritapor Milton Vargas em 1994,a fimde: a)expora assimetriado pensamento de
ambosdestacadanas cartas; b) investigara permeabilidadee ainfluência queexerceu, cada qual, um
sobrea forma de pensardo outro; c)ressaltaro modelode comunicação de ambos, qual seja, o de buscar
no conflito de ideias a expansão do pensamento,por vezes apaixonado e “briguento”, como o próprio
Flusser realça numa das cartas3,comoumexemplo prático da intersubjetividade flusseriana, em que o verdadeiro estar-no-mundo supõeolhar e ouvido atentos ao outropara darsignificado à própria
existência.
Palavras-chave: Polarização. Intersubjetividade. Vilém Flusser.Milton Vargas.
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